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sexta-feira, abril 30

Sobre memórias e velhas feridas...


Esta noite, revirando um baú de lembranças de um passado recente, remexi em velhas feridas.
Erroneamente, é óbvio. Velhas feridas não devem ser trazidas de volta, e por isso eu chorei.
Mas diante de tantas fotos, fatos, cartas quase anônimas (que a letra nunca vai te deixar esquecer quem mandou), pétalas secas de uma rosa que já foi vermelha, um guardanapo de papel amarelado com o número do telefone do seu segundo amor, papéis de bala amassados, frascos de perfume que ainda exalam saudades e outros tantos eteceteras não pude conter o flash back da minha memória saudosa e os líquidos de minha alma.
A capa de um velho cd que gravei pra um amor urgente e jurei nunca mais escutar me fez lembrar de quanta dor eu senti quando as tais urgências cessaram. E daquele Domingo em que vi meu eterno amor do momento nos braços alheios e atirei meu coração contra a parede do meu quarto, junto com o cd que não tive tempo de entregar.
Um papel de bombom ‘senerata de amor’ amassado, grampeado num coração de papel desbotado tirou duas ou três lágrimas dos meus olhos opacos. Era o primeiro coração que alguém me entregou, alguém que partiu pouco depois levando suas lindas promessas e me fez perceber que corações não são entregues em duas semanas de beijos na boca. A dor maior era acreditar que acreditei no coração de cartolina.
Também tinha um porta retrato cor-de-rosa, sustentando a lembrança de um primeiro amor numa foto de mãos dadas. Adolescente acha tudo definitivo, sente tudo em definitivo, e é tão decepcionante descobrir que nem todos os príncipes são encantados. No final das contas, de um primeiro amor vai sobrar bem pouco além uma dorzinha no coração e no cotovelo, e de um porta retrato tão cor-de-rosa quanto os sonhos daquela época (e tão pálido e quebrado quanto os sonhos de hoje).
Nesse baú, assim como na memória, ainda guardo as pétalas da primeira rosa que ganhei. Do meu pai, quando fiz 15 anos. Porque toda forma de amor deixa marcas e cicatrizes.
Ele faleceu antes que eu completasse 16.
Entre tantas fotos que olhei chorando (ou chorei olhando), eu senti uma saudade tão grande ao ver as fotos da formatura! Rever os amigos que dividiram comigo os melhores anos da minha vida é botar o dedo numa ferida que não cicatriza. Está sempre ardendo, coçando, latejando. E quando recebo um email de um dos que o vento espalhou pelo mundo, eu tiro a casca e deixo que a ferida sangre, pra me lembrar do que não quero esquecer.
Eu revivi o ingresso do show da Cássia Eller, a pulseira fluor da primeira rave, o 6º resultado do vestibular de medicina e a foto de cara pintada, a aliança de um compromisso com um amor que eu não quis, o cardápio de um restaurante, o crachá que não devolvi pra agência de turismo que amei trabalhar...
Uma camiseta antiga do Flamengo que ganhei numa aposta (e sou Vasco), a pulseira da minha mãe com meu nome gravado, a foto do primeiro bebê que fiz nascer, uma mecha do cabelo do meu único afilhado, um pedaço do gesso rabiscado do pé que quebrei no último ano da faculdade...
Velhas feridas não devem ser trazidas de volta, e por isso eu chorei.
Mas velhas alegrias devem sempre ser lembradas, e por isso meu pranto secou.
E há lembranças que nem precisam de artefatos pra doer.
Não há nada naquele baú que remeta ao homem que eu mais amei. Até as fotos dele eu joguei fora.
Ainda assim, feito a quelóide que tenho no pé resultado de um tombo de moto, ele está em mim.
Minha mais intensa cicatriz, e não há um dia sequer que eu termine sem lembrar desse amor...

Eu preciso saber que existo e por isso, vezenquando remexo o passado e reviro meu velho baú. E tal qual em coração de mãe, sempre encontro espaço pra eternizar mais uma lembrança.
Reviver sentimentos que ficaram pra trás, sejam eles bons ou ruins, é a forma que a vida encontra de não te deixar esquecer o que foi verdadeiro, e dessa forma te ensinar a intensificar o sabor do que se vive agora.
E já disse algum sábio poeta, “antes ter histórias tristes, do que não ter histórias.”
Os melhores capítulos que escrevi nesse livro que condiciono chamar ‘minha vida’, devo ao passado recente que ainda me arranca lágrimas, até quando trás a tona alegrias passadas.
E você, já revirou seu baú hoje?



***

"O que a memória amou, fica eterno."

Um comentário:

Sandro Dálio disse...

Priiii, lindo texto...
Mas, cá pra nós: remexer no baú é fóda hein? kkkk
Tem muita coisa lá que desnorteia...
Por isso, prefiro fazer um novo baú a cada dia...
Daí, eu jogo a chava fora... não coloco mais nada dentro!
Assim, tudo pra sempre é novo e único!
E o que passou, nos ensinou...
Bola pra frente...

Grande abraço.
Sandro Dálio.