Eu preparo uma canção
em que minha mãe se reconheça,
todas as mães se reconheçam,
e que fale como dois olhos.
Caminho por uma rua
que passa em muitos países.
Se não se vêem, eu vejo
e saúdo velhos amigos.
Eu distribuo um segredo
como quem anda ou sorri.
No jeito mais natural
dois carinhos se procuram.
Minha vida, nossas vidas
formam um só diamante.
Aprendi novas palavras
e tornei outras mais belas.
Eu preparo uma canção
que faça acordar os homens
e adormecer as crianças.
Carlos Drummond de Andrade.
2 comentários:
Num daqueles momentos de angústia eu fiz uma versão dese maravilhoso poema. Veja aí, Pri:
A OUTRA CANÇÃO
Eu preparo outra canção
Diferente do Drummond
Eu não tenho mãe
Nem velhos amigos
Caminho por um monte de ruas
Que não me levam a lugar algum
As palavras me servem apenas
Para o movimento da caneta
Minha fala só convence a mim mesmo
A verdade para mim
É a insistência da mentira
Acumulada e superada pela vontade
O amor é um espelho
Quem diz que ama, ama só a si
Porque amar é não ser
É aplicar o dar com todos os seus sinônimos
E signos
E alguém já me disse
Que viver é não pensar na própria insignificância
Pensar é o exercício da solidão
O mundo gira em si mesmo,
Avança, progride
Imobiliza corpos e mentes
Corrompe a dignidade
Cultua a lógica, o óbvio
A morte remedia os fracos
Nascer é entrar na concorrência
Por isso eu preparo outra canção
Para adormecer os homens
E acordar as crianças.
30/07/90
Abraços. Paz e bem.
Obrigada por dividir essa 'delícia' conosco...
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